domingo, 24 de junho de 2012

NÃO! Tá me ouvindo?

Faz dias já que eu ando querendo escrever sobre isso, mas ainda não tinha encontrado o combustível certo - eu preciso de um certo nível de rage que não pode ser descontada no mundo pra conseguir me expressar direito quando o negócio não é ficção.

Well, hoje a raivinha veio, e nem vários tweets aliviaram, então vamos ao post.

Na TV está passando, nesse momento, uma reportagem sobre a Marcha das Vadias - movimento que eu, btw, admiro e acho muito legal, pela liberdade de fazer com seu corpo what the hell você quiser. Afinal de contas, meu corpo, minha escolha. Mas então minha mãe comentou algo que quase me fez indignada, só que o follow-up dela foi muito válido. Ela disse "que coisa horrível" para todas as mulheres sem camisa, e seguiu com um "acho tão feio isso de se expor assim, não porque é mulher, mas porque é teu corpo".

Well, eu acho, honestamente, que se você é ok com se expor, a escolha é sua. E que se você quiser dormir com 5 caras diferentes em uma semana, a escolha é sua. E se você quiser andar por aí tão pelada quanto qualquer homem tem o DIREITO de andar, a escolha também é sua (e vamos aqui fazer uma pausa para pensar sobre todas as situações em que homens andam pela rua como se fosse o banheiro de casa e ninguém diz um pio, mas se uma mulher sair com uma roupa um pouco mais curta, OMG, ela não presta e o absurdo disso tudo, mas esse não é meu ponto hoje).

No entanto, o que minha mãe disse hoje sobre o "eu acho" dela me fez lembrar dessa minha vontade de postar sobre meu direito, seu direito, nosso direito de dizer o bom e velho não.

Não só mulheres - qualquer um. Estava debatendo isso com uma amiga agora, e comentei que, caso eu ficasse com três caras diferentes em uma festa, eu conseguiria "me defender" para as pessoas que formam o corpo médio da sociedade, digamos assim. Não exatamente pessoas reacionárias, mas também não alguém que comparecesse a uma Marcha das Vadias. É defensável.

Entretanto, se eu estiver ficando com alguém há alguns dias, semanas que seja, e quiser dizer não para essa pessoa - defenda isso perante a grande maioria das pessoas que você conhece. I dare you.

Se você diz sim, hoje em dia, você é uma piriguete, uma vadia, uma slut, mas, secretamente, cada uma das pessoas que está te chamando de tudo isso sente uma invejinha - talvez nem todas, mas boa parte. Agora, se você diz NÃO, então você é reprimida. Você está provocando o homem, e omg, se algo contra a sua vontade acontecer, a culpa ainda é sua, porque vocês estavam saindo juntos, como assim você não quer transar com ele?

Manolo, não quero. NÃO! Tá me ouvindo?

Não, a sociedade não está. Porque na ânsia de dizer que sim sim sim, e de nos fazermos entender que esse 'sim' é nosso pra dar, se perdeu um pouco do direito de dizer que não, que não quero.

Uma parte das pessoas perdeu a perspectiva de que lutar por direitos iguais não quer dizer sim sempre. E aqui não falo de quem leva essa luta a sério, e que sabe do que está falando - falo mesmo da sociedade que julga superfluamente, e que não se importa em jogar pedras sem olhar pro seu telhado de vidro. Não falo de feministas dignas, nem de meninas que têm opinião forte - estou falando da massa que, no fim das contas, é quem curte passar julgamento.

Eu posso dizer um sim tão grande quanto um não, e meus mil "sim" anteriores não são precedentes para não ouvirem meu "não".

Eu sou um ser humano com direitos iguais a todos os outros na sociedade civilizada. E se meu "sim" teve que ser gritado por anos para poder ser ouvido, não se façam de surdos para nossos 'não' agora.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Você é uma menina

Eu dou aulas. Odeio o termo "educadora" primeiro porque na minha mente insana isso soa absurdamente kinky, e depois porque "educadora", "educador" invoca algo de sério que eu não consigo me ver sendo - eu mal acho que consigo me manter sendo uma boa cidadã, imagine dar exemplos para as dezenas (centenas?) de alunos que eu tenho.

De qualquer forma, eu dou aulas, em uma escola particular, e uma cena aconteceu comigo hoje pela manhã que me deixou intrigada o dia todo. Talvez intrigada não seja a palavra, mais... frustrada. Primeiro que um aluno meu fez um comentário de "tinha que ser preto mesmo" - completamente desproposital e absurdo, mas sem a maldade que possa ser imaginada: são crianças pequenas que mais repetem o que ouvem em casa do que realmente pensam sobre essas pequenas ofensas: mais desproposital ainda, porque o ofendido em questão é loiro, mas mesmo assim, fiz o que sempre faço quando ouço esse tipo de comentário, seja ele 'é coisa de preto' ou 'é coisa de veado', e similares.

Eu parei a aula, eu comentei sobre o absurdo do suposto xingamento, eu tentei fazer com que meus alunos vissem que preconceito é errado - não é questão de 'eu não faço porque a professora vai ficar zangada e me mandar pra diretoria' mas tentar mostrar a eles que 'não se faz porque isso não é coisa de um ser humano decente'. Não sei se sou a única a fazer algo assim em sala de aula - não só corrigir, mas parar tudo e fazer com que eles mesmos percebam o absurdo do seu comentário - mas eu tento.

Eu não sou educadora, mas sou um ser humano - e só por isso, não por dar aulas ou por ter um papel de certa autoridade em ambientes de ensino - mas só por ser humano e tentar ser o mais decente possível, eu paro tudo. Questiono. Tento argumentar que é errado. Todo o blá blá blá, que eu acho que todo adulto responsável deveria fazer quando vê uma criança falando um absurdo assim.

Só que isso é o feijão com arroz de toda aula que eu dou, sempre tem algo assim acontecendo por mais que eu note que grande parte dos meus alunos tente evitar esses comentários quando eu estou perto, provavelmente por saberem que eu vou fazer um grande discurso a partir disso. O que me chocou hoje foi uma forma de xingamento que me intrigou, e então frustou, e então me deixou magoada com a humanidade em geral como não me sentia há anos - não por não saber do problema, mas não tê-lo visto dessa maneira há algum tempo.

Um menino estava chateado com outro, e então o xingou - e o seu xingamento foi "menina".

Menina não é uma palavra ofensiva - nunca deveria ter sido. O "menina" ali não se referia nem mesmo a uma questão de sexualidade, que todos os alunos daquela turma são jovens demais para explorar de qualquer forma, e ainda estão na fase de meninas para um lado, meninos para o outro: aquele "menina" invocou algo de fraco, de menos, de sem impportância, e me deixou ofendida como só lembro de ter me ofendido quando um colega de faculdade fez uma piada idiota sobre mulheres só precisarem contarem até 6 porque só havia seis bocas no fogão e as minhas colegas mulheres riram.

Naquele dia me ofendeu o absurdo de elas terem rido de uma piada machista e ridícula, e de rirem mais ainda quando mostrei minha indignação. Hoje me ofendeu que nenhuma menina naquela sala achou nada de errado com "menina" ser usado como um xingamento.

Eu parei a aula. Olhei pro menino que havia xingado e perguntei o que tem de errado em ser menina. A resposta dele foi que é como xingar uma menina de menino: ela vai se ofender, porque vai estar sendo chamada de "machorra" - palavras de uma criança de dez anos mal completos, e não minhas.

E isso me ofendeu de novo - como pessoa, ser humano, e parte dessa raça absurda que usa gêneros como ofensas, e que tenta colocar rótulos em absolutamente todos os lugares que consegue, usando deles para tentar ofender e encaixar todos dentro de padrões ilusórios que, na verdade, não existem.

Uma menina jogar futebol é coisa de menino. Mas se ela fizer, é aceito, não é errado socialmente - estranho, talvez, aos olhos de muitos, mas aceitável. Quantas meninas já não vimos brincando de brincadeiras "de meninos" sem grandes preocupações?

Mas encontre um menino brincando de casinha sem ter sido coagido por alguma amiguinha, ou sem reclamar o tempo todo, e me aponte pais e mães que não se preocupem com isso - salvo raríssimas exceções.

Meu gênero é uma ofensa. Ser menina é ruim. É ofensivo, porque é fraco, é menos, é sem valor.

É errado.

Aquele menino de dez anos hoje me fez perceber a situação da mulher de uma maneira que dezenas de conhecidas feministas e feminazi ainda não haviam conseguido: e eu nunca fui passiva, não me digo feminista não porque não apoio a causa, mas porque não acho que conheço o suficiente para me dizer uma (caminho que estou tentando remediar), eu sempre tive consciência de que a mulher está em desvantagem em tantos aspectos que cada vez que alguém diz que a "mulher tem tantos direitos hoje em dia" eu sinto uma vontade muito grande de rir, mas aquele menino, com aquele xingamento, me deixou pasma.

E frustrada.

Nosso gênero não é só uma piada de mal gosto, um comentário desnecessário, um papel estereotipado difícil de ser quebrado, uma classe com pretensos direitos pelos quais jamais deveríamos ter de ter lutado porque deveriam ser nossos simplesmente por sermos humanas.

Somos xingamentos.

E isso, meus caros, é devastador.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

E fez-se a luz (porque a escuridão já existia)

Começar sempre é difícil, e o mais engraçado é que esse próprio começo já é um clichê, e eu odeio clichês.

Vou começar dizendo que quando eu tinha oito anos, eu tinha decidido que queria ser advogada, atriz, cantora, jogadora de vôlei e a Xuxa quando crescesse, e nunca saí dessa mistura - nunca fui uma, e sempre consegui ser várias, e ainda assim ser eu.

Escrever aqui surgiu não sei de onde, talvez de inveja de ver tanta gente se expressar quando eu me contive, e senti que agora é a minha vez.

Começo com um clichê e uma confissão patética.

Espero não terminar assim.