sexta-feira, 13 de abril de 2012

Você é uma menina

Eu dou aulas. Odeio o termo "educadora" primeiro porque na minha mente insana isso soa absurdamente kinky, e depois porque "educadora", "educador" invoca algo de sério que eu não consigo me ver sendo - eu mal acho que consigo me manter sendo uma boa cidadã, imagine dar exemplos para as dezenas (centenas?) de alunos que eu tenho.

De qualquer forma, eu dou aulas, em uma escola particular, e uma cena aconteceu comigo hoje pela manhã que me deixou intrigada o dia todo. Talvez intrigada não seja a palavra, mais... frustrada. Primeiro que um aluno meu fez um comentário de "tinha que ser preto mesmo" - completamente desproposital e absurdo, mas sem a maldade que possa ser imaginada: são crianças pequenas que mais repetem o que ouvem em casa do que realmente pensam sobre essas pequenas ofensas: mais desproposital ainda, porque o ofendido em questão é loiro, mas mesmo assim, fiz o que sempre faço quando ouço esse tipo de comentário, seja ele 'é coisa de preto' ou 'é coisa de veado', e similares.

Eu parei a aula, eu comentei sobre o absurdo do suposto xingamento, eu tentei fazer com que meus alunos vissem que preconceito é errado - não é questão de 'eu não faço porque a professora vai ficar zangada e me mandar pra diretoria' mas tentar mostrar a eles que 'não se faz porque isso não é coisa de um ser humano decente'. Não sei se sou a única a fazer algo assim em sala de aula - não só corrigir, mas parar tudo e fazer com que eles mesmos percebam o absurdo do seu comentário - mas eu tento.

Eu não sou educadora, mas sou um ser humano - e só por isso, não por dar aulas ou por ter um papel de certa autoridade em ambientes de ensino - mas só por ser humano e tentar ser o mais decente possível, eu paro tudo. Questiono. Tento argumentar que é errado. Todo o blá blá blá, que eu acho que todo adulto responsável deveria fazer quando vê uma criança falando um absurdo assim.

Só que isso é o feijão com arroz de toda aula que eu dou, sempre tem algo assim acontecendo por mais que eu note que grande parte dos meus alunos tente evitar esses comentários quando eu estou perto, provavelmente por saberem que eu vou fazer um grande discurso a partir disso. O que me chocou hoje foi uma forma de xingamento que me intrigou, e então frustou, e então me deixou magoada com a humanidade em geral como não me sentia há anos - não por não saber do problema, mas não tê-lo visto dessa maneira há algum tempo.

Um menino estava chateado com outro, e então o xingou - e o seu xingamento foi "menina".

Menina não é uma palavra ofensiva - nunca deveria ter sido. O "menina" ali não se referia nem mesmo a uma questão de sexualidade, que todos os alunos daquela turma são jovens demais para explorar de qualquer forma, e ainda estão na fase de meninas para um lado, meninos para o outro: aquele "menina" invocou algo de fraco, de menos, de sem impportância, e me deixou ofendida como só lembro de ter me ofendido quando um colega de faculdade fez uma piada idiota sobre mulheres só precisarem contarem até 6 porque só havia seis bocas no fogão e as minhas colegas mulheres riram.

Naquele dia me ofendeu o absurdo de elas terem rido de uma piada machista e ridícula, e de rirem mais ainda quando mostrei minha indignação. Hoje me ofendeu que nenhuma menina naquela sala achou nada de errado com "menina" ser usado como um xingamento.

Eu parei a aula. Olhei pro menino que havia xingado e perguntei o que tem de errado em ser menina. A resposta dele foi que é como xingar uma menina de menino: ela vai se ofender, porque vai estar sendo chamada de "machorra" - palavras de uma criança de dez anos mal completos, e não minhas.

E isso me ofendeu de novo - como pessoa, ser humano, e parte dessa raça absurda que usa gêneros como ofensas, e que tenta colocar rótulos em absolutamente todos os lugares que consegue, usando deles para tentar ofender e encaixar todos dentro de padrões ilusórios que, na verdade, não existem.

Uma menina jogar futebol é coisa de menino. Mas se ela fizer, é aceito, não é errado socialmente - estranho, talvez, aos olhos de muitos, mas aceitável. Quantas meninas já não vimos brincando de brincadeiras "de meninos" sem grandes preocupações?

Mas encontre um menino brincando de casinha sem ter sido coagido por alguma amiguinha, ou sem reclamar o tempo todo, e me aponte pais e mães que não se preocupem com isso - salvo raríssimas exceções.

Meu gênero é uma ofensa. Ser menina é ruim. É ofensivo, porque é fraco, é menos, é sem valor.

É errado.

Aquele menino de dez anos hoje me fez perceber a situação da mulher de uma maneira que dezenas de conhecidas feministas e feminazi ainda não haviam conseguido: e eu nunca fui passiva, não me digo feminista não porque não apoio a causa, mas porque não acho que conheço o suficiente para me dizer uma (caminho que estou tentando remediar), eu sempre tive consciência de que a mulher está em desvantagem em tantos aspectos que cada vez que alguém diz que a "mulher tem tantos direitos hoje em dia" eu sinto uma vontade muito grande de rir, mas aquele menino, com aquele xingamento, me deixou pasma.

E frustrada.

Nosso gênero não é só uma piada de mal gosto, um comentário desnecessário, um papel estereotipado difícil de ser quebrado, uma classe com pretensos direitos pelos quais jamais deveríamos ter de ter lutado porque deveriam ser nossos simplesmente por sermos humanas.

Somos xingamentos.

E isso, meus caros, é devastador.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

E fez-se a luz (porque a escuridão já existia)

Começar sempre é difícil, e o mais engraçado é que esse próprio começo já é um clichê, e eu odeio clichês.

Vou começar dizendo que quando eu tinha oito anos, eu tinha decidido que queria ser advogada, atriz, cantora, jogadora de vôlei e a Xuxa quando crescesse, e nunca saí dessa mistura - nunca fui uma, e sempre consegui ser várias, e ainda assim ser eu.

Escrever aqui surgiu não sei de onde, talvez de inveja de ver tanta gente se expressar quando eu me contive, e senti que agora é a minha vez.

Começo com um clichê e uma confissão patética.

Espero não terminar assim.